A semana passada, a dra. Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna, queixou-se de falta de solidariedade dos parceiros europeus, no seguimento do pedido de accionamento do mecanismo europeu de protecção civil (uma bolsa de meios disponibilizada pelos Estados membros da UE que permite que outros peçam ajuda em caso de necessidade.) «Esperava maior solidariedade», afirmou a senhora ministra.
Pacientemente, um porta-voz da UE explicou o óbvio ou, pelo menos, o razoável: «Neste momento, vários Estados-membros estão a enfrentar graves incêndios florestais ou perigo extremos de incêndio florestal, consequentemente a disponibilidade de aviões é muito limitada», destacando, logo a seguir, a «forte tradição de solidariedade e generosidade entre Estados-membros.»
Perante este episódio, gente mais sensível ou incauta estaria ao pulos para lembrar à dra. Constança Urbano de Sousa o caricato que é acusar a UE e os seus membros de «falta de solidariedade», lembrando, en passant, entre outras coisas, um facto singelo: entre 1986 e 2013, a nossa querida nação sorveu sofregamente cerca de 96 mil milhões de euros de fundos estruturais e de coesão (qualquer coisa como 9 milhões por dia em trinta anos). «Em matéria de solidariedade e generosidade estamos falados», diriam os exasperados.
Se me permitem: acharia desajustado um pinote que fosse. Compreendo a dra. Constança Urbano de Sousa. Suponho que seja pedir demais a um ministro de Portugal rejeitar uma narrativa secular, devidamente testada, de recorrente queixume contra «os outros», pelos infortúnios que nos têm calhado em sorte e/ou pelo incumprimento das respectivas soluções. O rol é longo e vem de longe: os espanhóis, os holandeses, os ingleses, as agências de rating, o calor, o Goldman Sachs, o sr. Dijsselbloem, a UE, o sr. Draghi (nos dias em que desliga o QE). E por aí fora.
Seria, também, de uma violência indizível, exigir que a dra. Constança Urbano de Sousa cometesse a imprudência de contrariar um dos mais relevantes diktats geringonciais: sempre que possível, culpar a Europa (coisa que, a seu tempo, poderá dar imenso jeito.)
Deixemos, por isso, a senhora ministra em paz.
Pingback: Temos pena | Macguffin vs. The World