Tudo isto é triste, tudo isto é fado

Tales de Mileto acreditava que a água era o elemento fundamental do mundo, de onde tudo provinha e para onde tudo caminhava; Anaximandro, consciente da vastidão e do carácter incognoscível do Universo, defendia a ideia de que as coisas observáveis tinham origem num permanente estado de conflito entre elementos de sentido oposto (o dia e a noite, o frio e o calor, a humidade e a aridez) com o «tempo» no papel de árbitro (e expondo, en passant, a intrincada e divertidíssima história do nascimento do cosmos envolvendo uma espécie de ovo que evoluía para uma massa fria e húmida envolta num anel de fogo); Anaxímenes colocava todas as suas fichas na ideia de que a condensação e a rarefacção causadas pela deslocação do ar constituíam o motor do mundo: as nuvens, as árvores, as rochas, etc seriam variações no grau de concentração do ar.

Dois mil e quinhentos anos depois, o pós-socrático engenheiro Sócrates não tem caminhos para desbravar, nem jónios para pastorear. É razoável supor-se que na primária de Vilar de Maçada, na secundária da Covilhã, no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra ou de Lisboa, o engenheiro tenha travado conhecimento com noções básicas de química, física e astronomia que o impeçam, hoje, de especular e arriscar como os pré-socráticos. Como é próprio dos espertos, restou-lhe alicerçar todo o seu pensamento filosófico no trabalho de outros (antes Kant, agora Weber, sempre em modo simplista) coadjuvado pela infinita força motriz da estupidez humana, capaz de colocar ao seu serviço um particular exército de figurinhas mais ou menos grotescas (do fidelíssimo André Figueiredo, ao inefável Mário Lino) e mais ou menos anónimas, prontas a compor o ramalhete e a animar o arraial. Louvada seja a impreparação dos jornalistas e entrevistadores que ainda se interessam pela coisa, louvada seja a rede viária interior-capital, capaz de proporcionar rapidez e segurança à frota de autocarros fretados (supõe-se que com as revisões em dia.)

«O Dom Profano – Considerações sobre o carisma» é, obviamente, mais um exercício de egocentrismo (tentem adivinhar em que líder carismático estaria ele a pensar), sem ponta de originalidade, a meio caminho entre a megalomania intelectual de uma mente medíocre e a vaidade incontrolável de um homem que perdeu a noção do ridículo e que julga ser capaz de sair do profundíssimo abismo em que caiu com a ajuda das lombadas dos livros que vai publicando enquanto auto-proclamado sage. Porque o tempo urge e a vida é profanamente finita, aconselho fonte 30pt, espaçamento triplo, papel de 250gr e a contratação de mais duzentos «revisores.»

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