Reza Aslan expõe aqui um argumento catita: «O Islão, como qualquer outra religião, não é violento. Violentas são as pessoas.»
(Por acaso, e só por acaso, é um argumento querido à NRA: as armas não matam; quem mata é quem prime o gatilho. Argumento que o progressista Reza Aslan achará, neste contexto, «falacioso». Já sabíamos: os argumentos, como os padrões dos cortinados, dependem muito dos «contextos».)
Ao contrário do que Reza Aslan pretende fazer crer, não há religião sem fieis, acólitos e sacerdotes. Não há religião sem hermenêutica, preconceito, dogma ou doutrina. Nenhum destes elementos é indissociável ou absolutamente estanque. Podemos recorrer ao positivismo histórico para dissecar «cientificamente» as escrituras, e levar a cabo eventuais testes de stress, mas é na subjectividade do exegeta, no laborioso trabalho do sacerdote, na devoção dos fiéis, na dedicação do beatério e, ponto importante, na evolução crítica da praxis eclesial e dos dogmas, que tudo se joga. A religião não é uma senhora provecta, adepta do five o’clock tea e do bridge, que invariavelmente tentam corromper numa galáxia distante, onde habita. Coitada: teve azar com as companhias.
A ausência de uma condenação clara, inequívoca, cognoscível e institucional por parte dos líderes do Islão, aos atentados de Paris, é ensurdecedora * e leva-nos a concluir, com legitimidade, que algo está podre no reino do Islão.
O ocidente não está em guerra com o Islão e, contudo, é do Islão que brotam as tentativas maximalistas de acabar com os «infiéis» – ou, em dias mais solarengos e aprazíveis, de converter a horda que se prostitui moralmente nos botequins e zincs.
A maioria dos Estados auto-proclamados «Islâmicos» são teocracias que, por uma «bizarra» e «estranha» coincidência, caucionam leis, ritos e costumes bárbaros: a pena de morte para apóstatas; o preconceito e a discriminação institucionalizada contra os homossexuais; a execrável subjugação das mulheres; a cobertura legal a castigos inumanos e desproporcionados; e por aí fora.
O Corão não dá cobertura a isto? Provavelmente, não. Corolário a adoptar: não toquemos no Islão. Curiosamente, ainda hoje não hesitamos em lembrar e denunciar fervorosamente a inquisição, a caça às bruxas, a perseguição de populações indígenas, o julgamento de Galileo ou, mais recentemente, os actos de pedofilia no seio da igreja católica. Também nestes casos, o Livro, per se, não deu cobertura. Daí que sejam comuns, desde há séculos, relambórios do tipo: «relembremos o caso em que alguns indivíduos mal intencionados, empenhados em desvirtuar a essência de uma religião, e na sua grande maioria padecendo de aguda insanidade por via da pobreza e da segregação, levaram a cabo a queima da Sr.ª D.ª Joana d’Arc.» Ia jurar que ainda ontem o Prof. Fernando Rosas os invocou.
Podemos continuar, contentes e descansados, a enterrar as nossas inestimáveis cabeças na areia do politicamente correcto, abraçando a complacência e reputando de «irrelevante» o que é evidente. Mas não tenhamos ilusões: não estaremos, certamente, a ajudar o Islão.
* PS: alguns amigos fizeram questão de me lembrar que, desta vez, não foi bem assim: houve registo de fortes condenações por parte de alguns líderes religiosos muçulmanos. Oxalá que assim tenha sido. Dar-me-ia muito gosto estar enganado.
“houve registo de fortes condenações por parte de alguns líderes religiosos muçulmanos”
Alguns. Quantos em quantos? Com que relevância no mundo muçulmano?