Apesar de ter defendido em sede própria que deveríamos aceitar democraticamente o governo minoritário do Dr. Costa, apoiado no parlamento pela extrema-esquerda, e agora devotadamente servido pela nomenclatura socialista (lastro socrático incluído), não abdiquei daquilo que penso e da posição que ideologicamente julgo ocupar.
E o que penso, resumidamente, é isto:
- O Dr. Costa escondeu do eleitorado um mega-facto: caso se proporcionasse, tinha a intenção de percorrer o kama sutra* com a extrema-esquerda (*também conhecido por «posições conjuntas»), intenção que ficou bem patente no discurso de «derrota» na noite do dia 4 de Outubro (estavam lá todas as pistas) e nada clara nas semanas e meses anteriores;
- O Dr. Costa não cumpriu o que disse na noite do dia 4 de Outubro: que recusaria «coligações negativas» (e temos a agradecer o cândido e televisivo reconhecimento do deputado João Oliveira sobre o processo: gorados os propósitos «programático-ideológicos» de uma grande coligação de esquerda, fixou-se o objectivo no mais comezinho «derrube da direita»);
- O Dr. Costa propôs-se ganhar e não por poucochinho; não só não ganhou como perdeu para uma coligação que jurou «tenebrosa» (opinião não secundada pelo eleitorado); foi feio não ter reconhecido a derrota e retirado as devidas ilações políticas; isso marcá-lo-à para sempre;
- O Dr. Costa nunca esteve minimamente interessado em chegar a acordos com o vencedor das eleições (foi penosa a coreografia «vou-ali-fingir-que-vou-iniciar-negociações-com-a-coligação-de-direita»);
- O regresso à «normalidade» (ou seja: socialistas no governo) com as personagens que agora entraram em cena, só augura o regresso do mesmo de sempre: reformas cosméticas no lugar de estruturais; a defesa do corporativismo travestida de «diálogo institucional»; a recusa em perceber o significado da palavra «austeridade» (não é um eufemismo para «castigo corporal», é tão só e apenas isto: rigor máximo no controlo dos gastos, adaptando-os aos recursos disponíveis); uma visão estreita das liberdades e da responsabilização individuais.
Dito isto, ou talvez por isto, o meu espírito encontra-se num estado que tolera bem a qualificação de confuso, quando observo as reacções de alguns liberais portugueses.
Não estranho que os meus amigos liberais duvidem da bondade, eficácia ou alcance de medidas que concorrem para o aumento da despesa (desde logo no facto, aparentemente menor mas simbolicamente perfeito, de se tratar de um dos maiores governos do pós-25 de Abril, onde parece caber tudo e o mais além). Nesta matéria, estou com eles de alma, coração e vísceras.
Já não compreendo que coloquem no mesmo saco (eventuais) intuitos de redução da carga fiscal.
O que se espera de um governo socialista, que sucede a um governo dito liberal, é que faça perdurar no tempo as opções socialistas do antecessor e dito liberal governo. E que acrescente muitas mais.
O que não se espera dos liberais de boa cepa, é que se aborreçam com objectivos que contrariam, no plano dos princípios, o pendor socialista de governos ditos liberais.
A diminuição da carga fiscal, por muito arriscada ou pífia que possa parecer, deverá ser sempre acarinhada, mimada, lambuzada por almas liberais – ou, mais prosaicamente, pelos contribuintes que observam, com um desespero mudo, este singelo facto: em quarenta anos de democracia, nunca se baixaram impostos (lá está: houve que servir a despesa.)
Há qualquer coisa de errado quando a esquerda em peso se queixa do «esbulho fiscal» e a direita liberal aplaude ou encolhe os ombros.
Como diria Cesariny: não deve ser disso de que se devem queixar. O que devem os liberais fazer? Provar que um socialista jamais contrariará a sua própria natureza.
Em matéria fiscal, o governo minoritário e socialista do Dr. Costa não se prepara para reduzir impostos ou para acabar com a austeridade: prepara-se para suprir os efeitos de uma descidazinha aqui (vendida como «generosa»), com os resultados de uma subidazinha acolá (vendida como «necessária» ou «socialmente justa»). Até a privatização da TAP vão agradecer (para desespero do activista cineasta activista António-Pedro Vasconcelos.)
É nesse plano que nos devemos concentrar. O tempo das máscaras acabou.