O mais recente queixume da comunidade afro-americana (que podemos designar como «blacks not winning enough Academy Awards»), não deve surpreender ninguém. Há muito que, sob a capa da auto-rectidão, os auto-proclamados ora ungidos, ora mártires, se propõem restabelecer a ordem e a justiça no mundo.
Refiro-me depreciativamente a «queixume», porque não é a primeira, nem será a última vez que alguém em nome de um grupo ou de uma «comunidade» (racial, religiosa, cultural ou social), erra o alvo ou incorre em reivindicações patetinhas, mesmo que instaladas num edifício histórico saturado de episódios de discriminação, segregação e preconceito. Até uma vítima, ou os seus herdeiros morais, podem perder a razão.
A forma mais directa de perceber o ridículo do tema, será a de imaginar os dois corolários-limite do que agora se reclama:
- A criação de quatro novas categorias de prémios: «best african-american actor in a leading role»; «best african-american actor in a supporting role»; «best african-american actress in a leading role»; «best african-american actress in a supporting role»;
- A introdução de uma percentagem (quota) em cada categoria, que assegure a correcta representatividade dos afro-americanos.
A primeira opção cairia no âmbito da segregação. Ser chutado para um gueto de categorias, seria humilhante. Há que descartá-la de imediato.
Passemos à segunda. Se atendermos ao facto de que apenas 12,5 % (valor aproximado) da população dos EUA é afro-americana, e se considerarmos que, em média, há cinco nomeados por categoria, chegamos à brilhante conclusão de que 0,625 dos nomeados por categoria deve ser afro-americano. Arredondemos para 1, por motivos materiais. Ou para 2, para compensarmos o passado.
Ultrapassado este constrangimento, passemos ao seguinte: assegurar, junto de produtores e realizadores, que a «matéria-prima» a utilizar nos filmes (actores/actrizes) cumpre a quota. É, aliás, aqui que tudo se joga, e não propriamente a jusante. «Filhos da quota»? A sério? E os hispânicos? E os asiáticos?
O assunto é absurdo e pouco ou nada edificante. Mas dificilmente será esquecido. Até porque, em matéria de queixas, a discussão já chegou às «indemnizações.» E, acrescento eu, aproxima-se a passos largos do ponto em que a discriminação vingará a discriminação e a intolerância encetará o seu triunfal caminho.
PS1: no espaço de minutos, este post já provocou um módico de indignação no Twitter. Era previsível. Estive para invocar o Thomas Sowell (um grande racista, como todos devem saber) e dar exemplos de como, no passado, as políticas de affirmative action foram, em muitos casos, erradas e contraproducentes. Não o fiz. O ponto era simples: podemos ter razões de queixa e, ainda assim, perder a razão no contexto x, com a proposta y. No caso concreto, acharia humilhante para a comunidade afro-americana a existência de uma «quota» de nomeações. É uma opinião. Peço desculpa.
PS2: reparo, agora, que este post vem logo a seguir ao post em que «bati» no Benjamin Clementine… (estou feito, no que toca a epítetos.)