Valdemar Alves, presidente da câmara municipal de Pedrógão Grande, respondia às perguntas de uma senhora jornalista na TSF, explicando o óbvio e o trágico: à dor da perda de familiares e amigos, juntava-se o desespero dos que ficaram sem nada: sem tecto, sem hortas, sem pomares, sem animais, sem equipamento agrícola. As casas tinham literalmente desaparecido, consumidas pelas chamas, explicava Valdemar Alves. E eis que surge a pergunta que se impunha da boca da senhora jornalista: «Mas eram segundas casas?»
No esplendor da sua imbecilidade, a pergunta é o mais perfeito ramalhete que compõe e completa o retrato social do Portugal contemporâneo: um país profundamente assimétrico, onde uma parte significativa da população não faz a mais pálida ideia do que se passa no seu território, tirando um aprofundado conhecimento dos corredores publico-privados que ciclicamente percorre, ligando os interstícios dos grandes conglomerados habitacionais onde habitualmente pastoreia a prole em ambientes controlados, e as areias algarvias saturadas de atoalhados em modo patchwork.
A concepção que a maioria dos portugueses veio a formular sobre o que é «o interior», reflecte o monumental ângulo morto onde se encontram alojadas as paragens «exóticas» que em abstracto constituem a ideia de «província», num registo efabulado pejado de quintinhas com pissina, solares e torres queirosianas, casas de pasto DOP, gente autóctone super pitoresca, galinhas, cabritos e borregos (que, como toda a gente sabe, são os filhos das vacas.)
Resta acrescentar que, nos últimos quarenta anos, este alheamento foi acompanhado por um vórtice centralista de decisões governativas muito do agrado de uma classe política alimentada a bifes do café de São Bento e competentemente apetrechada com estudos alicerçados no tríptico eficiência-custo-benefício, que repetidamente parecem comprovar o óbvio: «no deserto não há gente.» Só segundas casas.