Taxistas de todo o mundo, uni-vos!

Theodore Dalrymple fez o elogio dos taxistas: gente normalmente bem informada, com uma visão muito clara da natureza humana, sem concessões ao cinismo e ao sentimentalismo.

Concordo e, de forma imodesta, confesso-me: paulatinamente, com o avançar dos anos, tenho vindo a consumar um trade-off metodológico entre a politologia anódina de salão, que durante anos nutri sob notável esforço autodidacta, e um comovente apego a formas mais ou menos abruptas de taxismo, doutrina injustamente vilipendiada por flocos de neve, políticos em geral e gente cuja auto-estima foi barbaramente violentada num qualquer trajecto aeroporto-baixa.

Dito de outra maneira: a idade subtraiu-me a sofisticação que subordina a liberdade ao fim estético, mas compensou-me com o melhoramento de uma técnica analítica de perscrutação das misérias humanas e da pantominice, filha maior do senso comum e do cepticismo. Estão a ver aquele ditado «a conservative is a liberal mugged by reality»? Pois é: fui assaltado vezes de mais.

Noutros tempos, este desvio na direcção de ordens filosóficas de raiz, digamos, mais popular, ter-me-ia levado ao degredo e à vergonha. Com o passar dos anos, abracei com convicção uma atitude eminentemente «básica» de desprezo pelo «homem público» e de desconfiança pelo que me rodeia. Graças a Deus por isso.

Impõe-se, nesta fase, uma palavra de agradecimento aos responsáveis por esta deriva analítica: os políticos do meu país.

Os trágicos acontecimentos das últimas semanas escancararam a céu aberto a impreparação, a mendacidade e o foguetório de hipocrisia de uma classe que nos devia respeitar e servir e pouco mais faz do que jogar: jogar com as palavras, jogar com noções básicas de honestidade, jogar com a inteligência alheia, jogar com os sentimentos. Tudo muito previsível, infantil e nauseabundo.

Observar a reacção dos líderes do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista aos incêndios, hoje, comparando-a com a reacção dos mesmos actores há dois anos, é constatar a existência de criaturinhas que por cupidez ou tacticismo fazem questão de chafurdar na pocilga da desonestidade intelectual. Escutar Passos Coelho sobre putativos suicídios durante uma visita a Pedrógrão Grande, ou assistir ao degradante espectáculo de governantes agarrados que nem lapas à «imprevisibilidade» de raios e a «inauditos» downbursts com o intuito de esconder clamorosas falhas dos serviços que tutelam, é um fortíssimo contributo para a industria dos antieméticos.

Questionamo-nos: que gente é esta? Da chincana política à postura de bullies; da impreparação e cobardia, à mendacidade e à dissimulação; a resposta é óbvia e definitiva: a pior geração de políticos do Portugal democrático.

Dizer isto é um exercício simplista de generalização, demagógico e injusto? É a vida.

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Temos pena

“O pior momento da minha vida!”, afirmou, novamente, a senhora ministra da Administração Interna. Novamente. E novamente de lágrimas nos olhos.

Alguém deveria avisar a senhora ministra da Administração Interna que ela não é, neste processo, mais uma vitima. Ninguém está interessado nos seus estados de alma. Morreram 64 pessoas. 254 feridos. Mais de 100 desalojados. Os «piores momentos da vida» que importa invocar e relevar são estes. Ponto.

Dizer isto não é culpar a senhora ministra do que quer que seja. É colocar as coisas no devido lugar. Se a senhora ministra da Administração Interna decidiu ficar e não se demitir (nas palavras da própria: «seria o mais fácil»), não queremos que fique para levar à cena confissões emocionadas. Não queremos queixas, como as que ouvimos o ano passado. Queremos que fique e que demonstre firmeza, tenacidade e resiliência. Em suma: cabeça.

O resto é folclore. E de péssimo gosto.

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Not with a bang

Valdemar Alves, presidente da câmara municipal de Pedrógão Grande, respondia às perguntas de uma senhora jornalista na TSF, explicando o óbvio e o trágico: à dor da perda de familiares e amigos, juntava-se o desespero dos que ficaram sem nada: sem tecto, sem hortas, sem pomares, sem animais, sem equipamento agrícola. As casas tinham literalmente desaparecido, consumidas pelas chamas, explicava Valdemar Alves. E eis que surge a pergunta que se impunha da boca da senhora jornalista: «Mas eram segundas casas?»

No esplendor da sua imbecilidade, a pergunta é o mais perfeito ramalhete que compõe e completa o retrato social do Portugal contemporâneo: um país profundamente assimétrico, onde uma parte significativa da população não faz a mais pálida ideia do que se passa no seu território, tirando um aprofundado conhecimento dos corredores publico-privados que ciclicamente percorre, ligando os interstícios dos grandes conglomerados habitacionais onde habitualmente pastoreia a prole em ambientes controlados, e as areias algarvias saturadas de atoalhados em modo patchwork.

A concepção que a maioria dos portugueses veio a formular sobre o que é «o interior», reflecte o monumental ângulo morto onde se encontram alojadas as paragens «exóticas» que em abstracto constituem a ideia de «província», num registo efabulado pejado de quintinhas com pissina, solares e torres queirosianas, casas de pasto DOP, gente autóctone super pitoresca, galinhas, cabritos e borregos (que, como toda a gente sabe, são os filhos das vacas.)

Resta acrescentar que, nos últimos quarenta anos, este alheamento foi acompanhado por um vórtice centralista de decisões governativas muito do agrado de uma classe política alimentada a bifes do café de São Bento e competentemente apetrechada com estudos alicerçados no tríptico eficiência-custo-benefício, que repetidamente parecem comprovar o óbvio: «no deserto não há gente.» Só segundas casas.

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Carry on

Assembleia da República. Ao contrário do que possamos pensar, o doutor Costa e o doutor Passos Coelho têm coisas em comum: líderes de bancada sofríveis; wannabe Berias; carpideiras que cumprem impecavelmente a quota da «indignação»; deputados desejavelmente anónimos (cuja intervenção no hemiciclo rivaliza com a discografia de Marcel Marceau); um sortido de gente com fatos de péssimo corte; três ou quatro existencialistas. E, claro, gente normal.

Mas é no comportamento dos líderes que observamos a mais comum das características: um percurso sólido, prolongado e certificado nas respectivas «jotas».

Só gente cuja carreira incluiu garraiadas e sapatos de vela, listas e «conteúdos programáticos», colagem de cartazes, universidades de Verão com serviços de liquidificação do quadrante do cérebro que promove a autocrítica, e estágios confortavelmente apadrinhados, pode desempenhar com particular vocação o manhoso registo parlamentar com que nos tem brindado.

Perante o bruá das hostes que vibram com as bocas dos chefes («chegou-lhe bem, doutor!»), e num registo que entremeia o bullying politiqueiro com a falsa incredulidade, os doutores Costa e Passos Coelho agigantam-se quinzenalmente: do sorrisinho perene e gozão do doutor Costa (alavancado por tiradas clássicas como a pungente «não esteja nervoso, senhor deputado!»), ao ar de virgem ofendida do doutor Passos-fui-traído-Coelho (que, ao contrário do Berlioz de Bulgakov, acredita no diabo mas vai acabar como o presidente da MASSOLIT), há todo um estilo devedor de uma carreira maturada nos interstícios da corte lesboeta desde tenra idade.

Vale a pena invocar o senhor Trump com um definitivo «sad»? Nada disso: é uma alegria. Tenho a secreta esperança de que estes comportamentos, que tanto nos divertem como nos envergonham, ajudarão a fortalecer o sentimento de desprezo e indiferença que os cidadãos crescentemente nutrem pelos seus representantes.

Há quem jure a pés juntos que isto é terrível, temendo o início do fim do sistema democrático tal como o conhecemos. Acho precisamente o contrário: voltar as costas à corte será um sinal de maturidade e equilíbrio democráticos. Além de que, há falta de outra, esta poderá ser a derradeira forma de aprendizagem, apesar das fácies do doutor Barbosa Ribeiro e do doutor Hugo Soares nos fazer presumir sérias resistências à instrução.

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Obrigado, Edgardo

Edgardo Pacheco, crítico gastronómico do Financial Times (não é nada: é da CMTV), chamou a atenção do óbvio: «a maioria das pessoas [burras!] acha que o azeite é todo igual; o mesmo azeite que usam para temperar uma pescada serve para temperar um cabrito ou serve para temperar uma  mousse» (sic). E acrescenta: «ainda temos um problema mais grave do que esse [não acredito!]: usar o azeite para refogar e depois o mesmo azeite para temperar.» Conclusão: «erradíssimo, c******!» (perdoem-me: o vernáculo é meu)

Edgardo Pacheco pôs o dedo na ferida com a frontalidade de uma bola de algodão saturada de álcool 96% vol. (e não essa mariquice da clorexidina.) E fez-me voltar atrás no tempo, como o crítico gastronómico Anton Ego, depois de uma primeira colherada numa ratatoulle supimpa. A um tempo em que contemplava a minha avó Francisca na sua cozinha, rodeada de utensílios vetustos, galinhas degoladas, enchidos não normalizados, ervas aromáticas, facas do Joaquim Franzina e, claro está, quatro frascos distintos com azeite, onde estavam inscritas as directrizes: «pêxe», «chicha», «muce» e «móveis».

O Edgardo sabe muito.

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Product placement

Consta por aí que a entourage do actual primeiro-ministro de Portugal e inefável gerente da já mítica gerigonça, terá contactado Ana Garcia Martins, mais conhecida por «Pipoca Mais Doce» por causa do blogue Pipoca Mais Doce de Ana Garcia Martins, com o intuito de levar a cabo uma acção de product placement, numa altura em que o doutor Costa disputava a liderança do PS ao doutor Seguro.

Para quem não vive neste mundo, o inescapável blogue Pipoca Mais Doce de Ana Garcia Martins, também conhecida por «Pipoca Mais Doce», promove «estilos de vida» (do inglês lifestyles) através da associação de «vernizes», «sabrinas», «livros», «jóias» e «óculos de sol» (estou a citar as entradas do menu do blogue) a prosa descontraída, pontuada por considerações mais ou menos sérias sobre a vida em geral e o universo em particular.

E que produto, perguntará o anão auditório deste vosso criado, queria a entourage do doutor Costa «colocar»? Wait for it…obviamente: o próprio doutor Costa.

Telegénico, senhor de um invejável currículo de astúcia politiqueira e de exímia queda para a esgrima argumentativa, educado desde tenra idade para intendências políticas de grande fôlego (que lhe conferiu o cognome de «o desejado»), o produto «António Costa» usando panamá Borsalino, mocassins Tod’s e camisa Ermenegildo Zegna, à beira de um Porsche 911 cabrio, encantaria o povo socialista indefectível do lifestyle (mas ainda sob o feitiço do foleiro doutor Seguro). En passant, lançar-se-ia o candidato ideal sobre a demais populaça para que esta, no momento em que fosse convocada a eleger um novo primeiro-ministro, optasse por um candidato avesso ao neoliberalismo, «amigo das pessoas» e levemente playboy.

Como estratégia: imbatível.

Desgraçadamente, Ana Garcia Martins, também conhecida por «Pipoca Mais Doce» por causa do blogue Pipoca Mais Doce de Ana Garcia Martins, disse que não. O resultado esteve à vista: o doutor Costa levou uma tareia nas eleições legislativas do candidato Dercos Aminexil.

Felizmente, o doutor Costa tinha o Certificado de Aptidão Profissional de manobrador de pesados. E dois palermas, perdão, dois ajudantes de campo.

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Foi o Valter Hugo, mãe!

Consta por aí (não garanto que seja verdade por causa daquela coisa da pós-verdade) que o fantástico Ministério da Educação recomendou um livro do escritor Valter Hugo Mãe para o 3.º Ciclo no Plano Nacional de Leitura, que contém, e passo a citar, «linguagem sexual violenta», facto que escandalizou crianças, pais e um pastor no Fundão.

Vamos a uns excertos:

«E depois fazem amor pelo cu porque não têm racha, enfiam coisas no cu, percebes.»

«E a tua tia sabes de que tem cara, de puta, sabes o que é, uma mulher tão porca que fode com todos os homens e mesmo que tenha racha para foder deixa que lhe ponha a pila no cu.»

Que a prosa pueril do senhor Hugo Mãe inspire o fabuloso Ministério da Educação a recomendar a obra a alunos do 3.º Ciclo: compreende-se.

Já não se compreende a escandaleira em torno da «liguagem sexual violenta», que os petizes praticam com especial devoção nos pátios do Snapchat, do WhatsApp e da escolinha.

O embaraço, aqui, é outro: o de termos chegado a um estágio cultural/intelectual que suscite aos doutores do sensacional Ministério da Educação exaltar escritores e obras desta categoria (dito de outra maneira: estivesse o problema só naquelas frases…)

E tudo isto sem o Trump estar envolvido.

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Premonição

A propósito disto, lembrei-me disto:

O world of spring and autumn, birth and dying!

The endless cycle of idea and action,

Endless invention, endless experiment,

Brings knowledge of motion, but not of stillness;

Knowledge of speech, but not of silence;

Knowledge of words, and ignorance of the Word.

All our knowledge brings us nearer to death,

But nearness to death no nearer to God.

Where is the Life we have lost in living?

Where is the wisdom we have lost in knowledge?

Where is the knowledge we have lost in information?

The cycles of Heaven in twenty centuries

Brings us farther from God and nearer to the Dust.

 

in The Rock de T. S. Eliot

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Morreu o Leonard Cohen

Field Commander Cohen, he was our most important spy.
Wounded in the line of duty,
Parachuting acid into diplomatic cocktail parties,
Urging Fidel Castro to abandon fields and castles.
Leave it all and like a man,
Come back to nothing special,
Such as waiting rooms and ticket lines,
Silver bullet suicides,
And messianic ocean tides,
And racial roller-coaster rides
And other forms of boredom advertised as poetry.
I know you need your sleep now,
I know your life’s been hard.
But many men are falling,
Where you promised to stand guard.

I never asked but I heard you cast your lot along with the poor.
But then I overheard your prayer,
That you be this and nothing more
Than just some grateful faithful woman’s favorite singing millionaire,
The patron Saint of envy and the grocer of despair,
Working for the Yankee Dollar.

I know you need your sleep now

Ah, lover come and lie with me, if my lover is who you are,
And be your sweetest self awhile until I ask for more, my child.
Then let the other selves be wrong, yeah, let them manifest and come
Till every taste is on the tongue,
Till love is pierced and love is hung,
And every kind of freedom done, then oh,
Oh my love, oh my love, oh my love,
Oh my love, oh my love, oh my love.

Morreu o Leonard Cohen.

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So long, Mariana

Devemos a Mariana Mortágua o momento mais franco e ternurento da política portuguesa dos últimos anos. A clareza e a franqueza chegaram-nos pelo verbo: «devemos perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro». A ternura pôde ser observada na forma como alguns socialistas (sobretudo os afectos à juventude turca) tentaram acalmar as hostes: «calma, amiguinhos, isto pode ser explicado.»

As coisas são o que são. A voz delicodoce, o olhar arguto e o sorriso monalisiano de Mariana Mortágua parecem num primeiro momento consolar a nossa inquietação perante as injustiças do mundo, mas uma vez debitado, o ideário Mortágua desengana os menos incautos. Tudo é claro, límpido, inequívoco: estamos perante uma gema marxista, impenetrável e inflexível.

Imaginar uma conversa com Mariana Mortágua sobre teorias de propriedade ou diferentes concepções de justiça distributiva – dos princípios «históricos» aos de «resultado final» dissecados por Nozick, passando pela teoria da aquisição de Locke e por aí fora  – resultaria numa pequena e certamente divertida representação teatral do absurdo, com o bom senso e o consenso no papel de Godot.

No mundo de Mariana não interessa saber como, em que circunstâncias (por exemplo, se o «acumulador» já percorreu uma fileira sacra de tributos), quando e quem acumulou «dinheiro»: quem o fez, fê-lo certamente à custa de outrem. 1 € ganho por A significou 1 € perdido por ou roubado a B. A «acumulação» será sempre senão ilícita, no mínimo injustificável e imoral, contrária à consumação do preceito-mor: de cada qual, segundo as suas capacidades; a cada qual, segundo as suas necessidades.

É no mais central, distinto e chique bairro do seu cérebro que Mariana preserva e mantém intacta a sua cosmovisão do mundo, habitada pelos bibelôs marxistas da praxe: a infraestrutura e a super-estrutura; o lucro (a vil essência do capitalismo); as teorias do valor, salário e da mais-valia; a taxa de lucro e a sua relação com a composição orgânica do capital (capital variável vs. constante); as proposições referentes à proletarização e à pauperização, demonstrativas do devir auto-destrutivo do regime capitalista; e por aí fora.

Do alto dos seus Converse All Stars, Mariana acredita piamente que o capitalismo tenderá para a cristalização das relações sociais em dois únicos grupos: capitalistas (também conhecidos no mundo de Mariana como «acumuladores») e proletários (os alienados e miseráveis). As classes intermédias jamais terão iniciativa nem dinamismo histórico – como, aliás, profetizava Marx.

Mas ao contrário de Marx, para quem o poder político e o Estado eram os meios pelos quais a classe dominante («acumuladora») mantinha a sua dominação e exploração sobre o proletariado (logo, entidades a abater), Mariana Mortágua acredita que não será necessário suprimi-los, antes apetrechá-los de um exército de justos e «corajosos» (do qual ela faz indubitavelmente parte) que não terão vergonha alguma em «retirar dinheiro a quem acumula.»

Que Mariana Mortágua seja isto, não me surpreende. Que o PS caucione estas intervenções, já me causa alguma estranheza. Ou não passo eu de um incorrigível ingénuo.

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Tudo isto é triste, tudo isto é fado

Tales de Mileto acreditava que a água era o elemento fundamental do mundo, de onde tudo provinha e para onde tudo caminhava; Anaximandro, consciente da vastidão e do carácter incognoscível do Universo, defendia a ideia de que as coisas observáveis tinham origem num permanente estado de conflito entre elementos de sentido oposto (o dia e a noite, o frio e o calor, a humidade e a aridez) com o «tempo» no papel de árbitro (e expondo, en passant, a intrincada e divertidíssima história do nascimento do cosmos envolvendo uma espécie de ovo que evoluía para uma massa fria e húmida envolta num anel de fogo); Anaxímenes colocava todas as suas fichas na ideia de que a condensação e a rarefacção causadas pela deslocação do ar constituíam o motor do mundo: as nuvens, as árvores, as rochas, etc seriam variações no grau de concentração do ar.

Dois mil e quinhentos anos depois, o pós-socrático engenheiro Sócrates não tem caminhos para desbravar, nem jónios para pastorear. É razoável supor-se que na primária de Vilar de Maçada, na secundária da Covilhã, no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra ou de Lisboa, o engenheiro tenha travado conhecimento com noções básicas de química, física e astronomia que o impeçam, hoje, de especular e arriscar como os pré-socráticos. Como é próprio dos espertos, restou-lhe alicerçar todo o seu pensamento filosófico no trabalho de outros (antes Kant, agora Weber, sempre em modo simplista) coadjuvado pela infinita força motriz da estupidez humana, capaz de colocar ao seu serviço um particular exército de figurinhas mais ou menos grotescas (do fidelíssimo André Figueiredo, ao inefável Mário Lino) e mais ou menos anónimas, prontas a compor o ramalhete e a animar o arraial. Louvada seja a impreparação dos jornalistas e entrevistadores que ainda se interessam pela coisa, louvada seja a rede viária interior-capital, capaz de proporcionar rapidez e segurança à frota de autocarros fretados (supõe-se que com as revisões em dia.)

«O Dom Profano – Considerações sobre o carisma» é, obviamente, mais um exercício de egocentrismo (tentem adivinhar em que líder carismático estaria ele a pensar), sem ponta de originalidade, a meio caminho entre a megalomania intelectual de uma mente medíocre e a vaidade incontrolável de um homem que perdeu a noção do ridículo e que julga ser capaz de sair do profundíssimo abismo em que caiu com a ajuda das lombadas dos livros que vai publicando enquanto auto-proclamado sage. Porque o tempo urge e a vida é profanamente finita, aconselho fonte 30pt, espaçamento triplo, papel de 250gr e a contratação de mais duzentos «revisores.»

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There are no more beginnings

A única coisa a lamentar da minha presença no concerto do Bruno Pernadas, anteontem, no Teatro Maria Matos, foi o facto de não me encontrar na condição de virgem. Sabia mais ou menos ao que ia. Invejo, por isso, os que, pela primeira vez, entraram numa sala de espectáculos desconhecendo a The Bruno Pernadas Experience, circunstância irrepetível para apreciar, em todo o seu esplendor, o soco no estômago que constitui aquela wall of sound. Um caso muito sério de talento, trabalho e engenho.

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Receita contra a doença moral chamada susto que eles voltem

Roubo o título a um folheto distribuído em 1808, aquando da primeira invasão francesa, com o intuito de levantar a moral da população, exortando o povo a resistir. Era este o tom: Napoleão poderia tentar aniquilar exércitos, mas jamais conseguiria combater povos. Na prática, a publicação partia da constatação de que as forças napoleónicas estariam a perder força dada a dispersão de meios entre Portugal e Espanha, circunstância que precipitou a intervenção britânica.

Aterrando no Portugal de 2016, constatamos que as máquinas de propaganda envelheceram muito pouco. As três (da geringonça) têm estado incansáveis em fazer passar uma ideia simples: a esquerda unida expulsou a armada neoliberal europeia que, por interpostas pessoas num governo fantoche, havia invadido um povo bravo e um país lindo, destruindo gratuitamente lares, empregos e feriados.

Passos Coelho passou a ser retratado como um velho, cansado e rancoroso Junot, incapaz de aceitar a derrota e empenhado num cassandrismo bacoco e agoirento, próprio de quem gostaria que o «tempo voltasse para trás» (jamé!). A Europa desceu ao estatuto de fonte de todos os males (até o combate aos incêndios nos dificultou.)

Não foi por acaso que o doutor Costa tratou de nutrir apressada e augustamente o seu eleitor-alvo predilecto (o funcionário público), nem foi por acaso que o doutor Costa chamou para o seu aconchego o sr. Arménio Carlos e o sr. Nogueira, esse par de camélias zeladoras dos interesses económicos, profissionais e fisiológicos do eleitor-alvo predilecto do doutor Costa (outra vez: o funcionário público.)

Falhada a tentativa, em plena campanha eleitoral, de conduzir o povo a um estado de sensibilidade patológica de onde sairia um babush feito santo e salvador (o homem perdeu estrondosamente as eleições), foi chegada a hora, no pós-arranjo eleitoral, de tratar do futuro – um futuro que é próximo mas nebuloso, como parece atestar o fiasco do cenário macroeconómico imaginado e partejado, no longínquo mês de Abril de 2015, por um conjunto de peritos que insiste em pastorear a ralé como se nada tivesse acontecido.

Em suma: afastados os «monstros», tratou-se de restabelecer a ordem natural das coisas (em consonância com o regresso ao poder do partido natural português), com a narrativa da «idade das trevas» pré-geringoncial ao rubro.

As últimas sondagens parecem dar conta conta de um crescimento imanente, embora ignoto, da base de apoio da cooperativa, capaz de fazer vibrar as hostes. Vivemos, por isso, um tempo idealista e ideal. Ideal, por exemplo, para falar de «escalões» e para acomodar critérios de «justiça fiscal.» As contas estão feitas: o povo está tenrinho e os «ricos» pagarão a crise.

Viva Portugal!

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O respeitinho é muito bonito, e isto das instituições tem muito que se lhe diga

O episódio «perdoe-me dr. Castro Mendes, não sei onde estava com a cabeça» foi prodigioso. Estão lá todos os tesourinhos deprimentes que nos animam e salvam da modorra de um país normal: a pré-punitiva estupefacção pública do senhor ministro face ao atrevimento do funcionário; a subserviência do senhor director vertida numa cartinha acabrunhada em que o excesso de auto-justificação denuncia o mandante; o aplauso dos que, «como é evidente», viram no episódio um caso «óbvio» de «desrespeito» e de «quebra de lealdade», a exigir penitência; e, por fim, o gesto magnânimo do patrão, que lá tolerou a traquinice e manteve o assalariado no cargo. Uma delicia.

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Let’s keep it quiet

«O ex-presidente da Comissão Europeia e antigo primeiro-ministro português vai perder os “privilégios de passadeira vermelha” em Bruxelas e vai passar a ser tratado como os restantes lobistas.» Ou seja: com privilégios de passadeira vermelha.

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Contagem de portugueses:_____

Miguel Sousa Tavares está apreensivo: as diatribes de Durão Barroso no Goldman Sachs podem prejudicar a candidatura de António Guterres. Como? Simples e óbvio: da mesma forma que «uma» Telma Monteiro representa toda uma nação na glória, «um» Durão Barroso aglutina toda uma nação na merda. No estrangeiro – lugar longínquo e mítico – um português não é um português: é um país, um povo e um pastel de nata. Alguém devia estudar isto, na medida em que talvez encontre aqui a razão do falhanço colectivo em inscrever mais e melhores portugueses nas galerias da Academia Real das Ciências da Suécia ou nos interstícios do Comité Olímpico Internacional: na hora de todas as decisões, a pressão é tamanha que a alma mingua e, com ela, os músculos, o cérebro, a ética e o jeito. Só problemas.

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Flor de obsessão

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